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Ficção especulativa e Género

Gostava de retomar aqui uma conversa iniciada no Fórum Fantástico 2011, no painel "Os Sexos no Fantástico" (basta seguir o link para saberem do que se trata).

Para resumir: se o fantástico e a ficção científica são do reino do especulativo, do diferente, do propositadamente diferente, então - perguntava-me e pergunto-me eu - porque é que há tanta coisa que parece tão igual? Ou, se colocarmos a coisa de forma mais sardónica: porque é que a ficção especulativa parece especular tão pouco? Claro que o meu objectivo não era fazer uma generalização abusiva - eu estava e estou a referir-me em particular à questão da construção do género nas sociedades ocidentais contemporâneas.

Se repararem no PDF que utilizei para essa apresentação (disponível no primeiro link deste artigo), verão que eu comecei por fazer um pequeno jogo: cortar quaisquer marcas linguísticas e contextuais de género de algumas frases e pedir às pessoas que lá estavam para votarem sobre se achavam que a frase era sobre um homem ou uma mulher. Houve excepções mas, no geral, praticamente toda a gente acertou em todas as frases. O que pareceu reforçar a minha questão: estamos perante mundos diferentes, contextos diferentes, realidades alternativas e ainda assim deslindamos sobre quem é que se fala no texto, empregando as marcas da nossa realidade, do nosso mundo.

Uma resposta possível foi avançada pelo Bruno Martins Soares, que tomou uma abordagem psicanalítica jungiana da questão, apontando para a nossa tendência de repetir os tropos que contextualizam quem nós somos, no contexto em que existimos. Uma abordagem do campo da teoria literária poderia apenas afirmar que isto serve como mecanismo narratológico para criar rapport entre leitorxs e escritorxs, ou para permitir a inteligibilidade do livro.

Porém, se isso responde à minha pergunta enquanto tal, foge dela enquanto provocação (queer). E a minha provocação é também um apelo: como é que podemos resignificar o género, os géneros, e lidar (opositivamente, desconstrutivamente) com as significações presentes e passadas? Como é que podemos especular géneros?

Pessoalmente, incomoda a minha leitura, quando (por exemplo) na série Cultura somos apresentadxs a um conjunto enorme de espécies e mesmo de tecnologias de modificação corporal radical que em tudo apresentam paralelismos com as práticas trans*, mas os pronomes pessoais continuam a oscilar apenas entre "ele" e "ela". É caso para exclamar: "Hein? Mas isso lá faz sentido?". Claro que na série Cultura há toda uma língua que poderá até extravasar este binómio de género - mas então, ao se verter a história para uma língua presente, estamos perante um gravíssimo caso de 'perdido na tradução'! E logo a ficção científica, com a sua longa tradição de criar neologismos (que nem eram precisos)!

Felizmente, isto não é regra absoluta, e há quem se preocupe em fazer algo de especulativo, também neste ponto - só ninguém a fazê-lo em português, que eu saiba (olha aqui a oportunidade de mercado!!!). Assim sendo, estou ansioso para, na minha pilha de livros 'A ler', chegar ao Beyond Binary.

Então e vocês, que me dizem sobre isto?